Já aqui deixei as minhas dúvidas sobre a moralidade dos Vistos Gold. Eles são a aceitação, por parte do Estado, de que há cidadãos de primeira e de segunda: aqueles que podem residir em Portugal apenas e só porque têm dinheiro para o fazer – seja através da compra de um imóvel de meio milhão de euros ou de um depósito bancário de um milhão – e aqueles que não o têm e, por isso, não podem ficar cá.
Os primeiros, os ricos, podem até nem cá viver. Têm apenas que passar um determinado número de dias por ano em Portugal. Mas podem trazer a família com eles e viajar livremente pela União Europeia. Os segundos, os pobres ou remediados, até podem querer viver realmente em Portugal. Podem ter planos para trabalhar, criar empresas e emprego, casar, ter filhos e ajudar o país a crescer. Mas não têm automaticamente direito a um visto. Seja gold ou de latão.
Desde que a medida entrou em vigor há um ano, Portugal já atribuiu 226 autorizações de residência para investimento. Ao todo, entraram no país mais de 143 milhões de euros. A maioria – 168 – foi para chineses. Mas nesta contabilidade há russos, brasileiros, libaneses, colombianos, angolanos, indianos, um egípcio, um americano, um marroquino, um tunisino, um moçambicano e um guineense. Todos têm uma coisa em comum: nenhum deles obteve o visto gold através da criação de emprego em Portugal. Só um terá investido realmente num projecto hoteleiro (que já tinha adquirido anteriormente). Os restantes, obtiveram-no graças à compra de imóveis (a maioria) ou ao depósito bancário de um milhão de euros. Grande parte procura em Portugal um ponto de abrigo para o caso de as coisas lhes correrem mal nos seus países.
Claro que isto beneficia muita gente: as imobiliárias, os construtores civis, os escritórios de advogados que servem de intermediários, os bancos que vêem os seus depósitos aumentar, o Estado que, indirectamente, recolhe benefícios e a própria economia. Numa época de crise, todos os investimentos são bem-vindos. Mas isso não significa que a forma como eles são captados seja moral. Ou aceitável, sem discussão. Sim, já temos uma saúde em que alguns têm acesso a tratamentos caros e especializados e outros não. Sim, já temos uma justiça em que alguns podem pagar a advogados competentes e arrastar processos judiciais durante anos e outros não. Mas não, ainda não vivemos num país em que uns têm mais direitos do que outros. Não, já não vivemos num país em que os direitos eram herdados por poucos e os deveres de todos. Pelo menos por enquanto. Este é o balanço deste ano.